terça-feira, 3 de março de 2009

O Leitor

Um dia desses vi um filme excelente com amigos: "O Leitor" não quero aqui me deter em contar a estória do filme, mas gostaria de desenvolver uma coisas que me surgiram na cabeça imediatamente...Mesmo durante o filme.

Um dos personagens centrais do filme é uma alemã de nome Hanna Hanitz (se não me falha a memória), nos anos que sucederam a II Guerra Mundial. Mulher extremamente orgulhosa que por viver tentando encobrir uma vergonha pessoal acaba por ir trabalhar para as SS nazistas. E nesse trabalho, como era de se esperar, envolve-se diretamente com os processos de assassinato em massa.

Em uma certa altura do filme, mostra-se uma cena em que ela e outras funcionárias das SS eram julgadas pela morte de 300 prisioneiras. O interessante não é nem que ela, em nome de seu orgulho, prefira assumir algo que não fez. É o modo como ela fala dos anos da guerra. Uma moça pobre, muito disciplinada, uma cidadã exemplar - fala de um jeito simples, sem hipocrisia, sem peso na consciência, ou seja, de um modo desconcertante (para os juízes e advogados) sobre o consenso nacional da sociedade alemã da época em aceitar a matança organizada como um elemento natural e comum da vida social.

Ela fazia parte ativa dessa sociedade, fez o papel que a sociedade espera dela e simplesmente não entendia por que estava sendo criticada ao ter cumprido o seu dever como funcionária pública. O coroamento de sua atitude é quando, a uma certa altura ela pergunta ao advogado, com um ar entre surpresa e desafio "O que o senhor teria feito em meu lugar???". Talvez ela pensasse, "é fácil criticar agora que o mundo todo nos condena, mas e o senhor? onde o senhor estava mesmo?"

Um grande amigo meu exclamou "Olha a banalização da violência!!"

E é isso mesmo.

Olhemos agora para nós mesmos. Em vez daquelas mulheres no banco dos réus, estamos nós: samuel, renato, paulinha, joão, pedro, isa, manuel, maria, rosa, ranulfo...

A acusação nos pergunta com ar grave e veemente: "É verdade, que vocês bebiam cerveja mesmo sabendo que, a poucos quilômetros de vocês, milhares de pessoas não tinham água para beber? Que vocês se davam ao luxo de consumir quantidades extravagantes de água pelo simples prazer de uma diversão? Que vocês consumiam combustível sem necessidade, jogando monóxido de carbono na atmosfera só para se deslocar de um lado para o outro para assistir filmes, ir para bares, passear na praia, etc?".

Poderia me estender e muito...Fico só me lembrando que o advogado de acusação poderia também me acusar de jogar 100 litros de água potável numa máquina para lavar 5 quilos de roupa, por que a minha máquina de lavar é uma brastemp que tem um super-enxágüe duplo!!

Poderia me lembrar também dos litros de detergente que uso para lavar a louça só para sentir o cheiro de maçã nos meus pratos e panelas...Bem, e só para ficar nos meus usos da água...Sem passar para o consumo de artigos supérfluos...

Talvez eu perguntasse também à acusação: "O que você queria que eu tivesse feito? Eu posso dizer que eu fui até um crítico da sociedade!". E retornaria para ele a mesma pergunta: "E você aonde estava?", meu último subterfúgio...

Banalização é exatamente isto...

Estamos sempre fazendo o que esperam que nós façamos. Por que qualquer coisa que todo mundo faça se torna banal, seja um massacre ou o desperdício d'água...

Podemos respirar aliviados por que não somos culpados sozinhos ou fomos só cumplices.

Estamos a salvo por que, aparentemente (e apenas aparentemente), não sofremos de um modo agudo, direto e imediato as consequências de nossos atos.

E, no fim, a acusação poderia muito bem me responder: "Eu era um bebê nessa época!"

Eu sou Hanna Hanitz e, ainda por cima, sei ler...

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