sábado, 31 de janeiro de 2009

Obrigado, Rubem Alves

Gente, eu preciso confessar uma coisa. Não é muito grave, mas acho melhor confessar e confessar da melhor maneira que sei...
Eu comecei a escrever esse blog por causa de uma inveja profunda...
eu sempre gostei de escrever, mas enjoei do meu estilo,
essa é a verdade...Quando olho para os meus textos, me dá uma dor enorme...
eu os vejo como se estivessem totalmente contaminados por idéias sem raiz, contaminados com filosofia...Corretos, carregados de energia, de grandiloqüência,
de sapiência - já que eu, apesar de muito jovem, me considerava muito sabido e queria mudar o mundo, não com o próprio mundo, mas com a minha vontade...
escrevia com uma certa poesia, mas uma poesia não poética, de forma,
de fôrma...
como os discursos das pessoas de esquerda, que nem eu, antes de subirem ao poder, tudo parece poesia, mas não é. Quando sobem ao poder, e o poder sobe neles,
vemos que eram só palavras bonitas.
Mas tenho que voltar à minha confissão:

Bem, a verdade é que eu tenho muita, mas muita mesmo, inveja do Rubem Alves...
do seu estilo de escrever, das suas palavras singelas e meio misturadas com sofisticação sem parecer arrogante...Não do Rubem Alves Teólogo da Libertação,
confesso que acho que consigo chegar perto dele no estilo para-acadêmico e apaixonado de escrever, embora sem a mesma bagagem de experiência e dor.
Mas do Rubem Alves para além de toda teologia, do Rubem Alves livre...
gostaria de escrever como ele, coisas curtas e lindas, que nos estimulam a querer escrever também, e que parecem tirar as palavras da nossa boca, para nosso próprio deleite e prazer.
Gostaria de escrever assim, com frases cheias de diminutivos, florzinhas, pézinhos, se não diminutivos explícitos, aqueles implícitos que nos põe crianças a se lambuzar de terra no jardim das palavras...este blog é uma tentativazinha...
Talvez eu devesse pôr um pouco mais de mim nas palavras, por que sei que no fundo de mim carrego muitos diminutivos,
barquinhos, bichinhos, passarinhos, mas este fundo talvez seja fundo demais e escuro demais e turvo demais...
Agora que a chuva está passando, o barro está assentando no fundo do igarapé e a água está se tornando límpida e, assim, eu estou podendo me ver no seu espelho!
E surpresa!
Estou podendo ver meus diminutivos, meus peixinhos, as pedrinhas, as folhinhas sendo levadas para algum canto que não me preocupo mais em saber...
Obrigado Rubem Alves.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Paz em si mesmos, paz em Gaza


Gostaria de convidar os leitores do nosso blog a fazerem não uma reflexão sobre os atuais acontecimentos na Faixa de Gaza, mas uma reflexão sobre qual o estado da nossa mente quando entramos em contato com essas notícias.


Gostaria de chamar a atenção para o fato de que nem sempre participamos das campanhas pela paz ou contra a violência ou em solidariedade com povos e comunidades exploradas e oprimidas com a mente verdadeiramente em paz, harmonia e não-violência. O dualismo com o qual vivemos cotidianamente tende a se refletir em todas as nossas ações sem tomarmos consciência, tende a se refletir em nós mesmos e na nossa percepção das coisas.

Desse modo, sem querer, alimentamos aquilo que estamos criticando ou agindo contra, semeamos mais violência e visões errôneas.

É uma dificuldade que sinto na pele. É muito difícil observar um conflito sem tomar partido e sem ser indiferente. Fui militante da esquerda durante muitos anos e como tal, fiquei especialista em tomar partido e me alinhar com um dos lados. Ao me tornar budista tive que reaprender a ver as coisas e mais, reaprender a agir nas circunstâncias que clamavam por ação.

Por isso escrevo agora. Para tentar ajudar aqueles que como eu sentem a mesma dificuldade - principalmente diante de tanta notícia ruim, notícias sempre acompanhadas pela parcialidade comum à toda imprensa.

Como manter a mente clara e equânime numa situação como essa de Gaza? Como não demonizar pessoas e países? Como não alimentar o ódio diante de tantas mortes?

Pensei no Quarto Treinamento da Plena Consciência* elaborado pelo mestre Thich Nhât Hanh e no modo como ele pode ajudar-nos. Pensei nele em forma de perguntas também:

Como cultivar a fala amável e a escuta profunda para levar alegria e felicidade aos árabes e judeus da Palestina/Israel e aliviá-los em seu sofrimento?

Como falar a verdade, com palavras que inspirem autoconfiança, alegria e esperança para ambos os povos?

Como fazer para não divulgar notícias que não tenham fundamento seguro e nem criticarei ou condenarei aquilo de que não tenha certeza?

Como fazer para evitar pronunciar palavras que possam causar divisão ou discórdia, que possam desagregar os povos árabe e judeu da Palestina/Israel?

Como fazer todos os esforços possíveis para reconciliar e resolver todos os conflitos, por menores que sejam?

Não é fácil, mas temos que tentar. Podemos fazer, para nos ajudar nisso, sugiro o seguinte exercício:

Podemos imaginar os atuais governantes de Israel, os comandantes dos massacres de inocentes (Shimon Peres, Ehud Olmert, Dalia Itzik, Tzipi Livni, Ehud Barak e todos os outros) como quando eles eram crianças (uns na Europa, outros no Irã e em outros países do Oriente Médio). Todos eles têm a natureza de Buda e a capacidade de iluminação. Todos sofrem e sofrerão mais ainda como resultado de suas ações inábeis e baseadas na ignorância.

Podemos também imaginar as lideranças do Hamas e da autoridade palestina do mesmo modo (Khaled Mashal, Mahmoud Zahar, Mahmoud Abbas, Saeb Erekat e todos os outros), como crianças brincando. Também, todos eles têm a natureza de Buda e a mesma capacidade de iluminação. Todos estão sofrendo e sofrerão mais ainda como resultado de suas ações inábeis e baseadas na ignorância.

Quando eram crianças, todos eles eram capazes de brincar uns com os outros, sem a necessidade de saber o que são, que cor têm ou de onde vêm. E perderam essa capacidade. A criança interior deles está perdida em meio a intermináveis teias de sofrimento e rancor.

Podemos ajudar os palestinos sem pensar que os judeus israelenses são os maus e podemos ajudar os judeus sem pensar que os palestinos são os maus. Ambas as sociedades estão aprendendo a conviver consigo mesmas e com o mundo que os rodeia, e aprendizagens coletivas levam tempo e vidas. Temos que apoiá-las neste caminho, para que elas percebam que quanto mais se identificam (consigo mesmas ou com aquilo que pensam que são) mais geram sofrimento para os que ficarem fora de suas definições.

Agindo assim, fica mais clara a nossa conexão com a paz que propagamos. Como diz o Ven. Thich Nhât Hanh: Paz em si mesmo, paz no mundo.

Obrigado pela atenção

Samuel Cavalcante

* Quarto Treinamento da Plena Consciência - Thich Nhât Hanh

Consciente do sofrimento causado pelas palavras descuidadas e pela incapacidade de ouvir os outros, eu me comprometo a cultivar a fala amável e a escuta profunda para levar alegria e felicidade aos outros e aliviá-los em seu sofrimento. Estou determinado a falar a verdade, com palavras que inspirem autoconfiança, alegria e esperança. Não divulgarei notícias que não tenham fundamento seguro e nem criticarei ou condenarei aquilo de que não tenha certeza. Evitarei pronunciar palavras que possam causar divisão ou discórdia, que possam desagregar a família ou a comunidade. Estou determinado a fazer todos os esforços possíveis para reconciliar e resolver todos os conflitos, por menores que sejam.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

budismo simples

Creio que de todas as religiões o budismo é a que tem a mensagem mais simples. Tão simples, mas tão simples, que é difícil de praticar. Tão simples que os povos tiveram que cobrí-la de rituais e mantras e recitações complicadas para torná-la mais fácil de praticar.

Por que é mais fácil decorar milhões de sutras, cantar inumeráveis mantras, decorar nomes longos e estranhos, dançar as coreografias mais complicadas com as roupas mais coloridas, do que nos atermos à sua mensagem pura e simples.

Tanto é mais fácil que o próprio Buda jamais praticou essas coisas. Sua única prática exterior era a meditação. Sentar, caminhar, olhar, comer, beber, tomar banho, tudo era impregnado pela sua presença consciente. E essa presença consciente brilhava com fulgor onde quer que ele fosse.

Isso é o que chamamos de viver plenamente o presente. Viver o presente com tanta liberdade que tudo se torna motivo de felicidade.E fazer isso era tão impressionante e maravilhoso que os ricos abandonavam suas riquezas para se tornar seus seguidores. E os pobres, por sua vez, abandonavam sua pobreza para ser seus seguidores.

Mesmo o Buda penou bastante para realizar essa descoberta. E quando a fez ficou impressionado com a sua própria cegueira.